quarta-feira, 20 de agosto de 2008

Pé na bunda.

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"O melhor que você tem a fazer é me odiar." Foi isso que eu li. Foi isso que fiz, mesmo involuntariamente: eu sempre odeio quem me deixa, mesmo que ainda o ame. Ou nunca tenha amado.

Não há como ser morno no fim do que, um dia, chamamos de amor: mulheres soluçam publicamente, homens choramingam para os amigos depois do porre, mas todos sofrem. No meio da festa ou trancado no banheiro. Não importa: o negócio é que pé na bunda dói.

Depois de lermos ou ouvirmos aquelas palavras pesadas e desagradáveis, nos perguntamos, tentando achar uma resposta convincente: mas como terminou? Diria o poeta que não termina, apenas parte para algum lugar desconhecido. Mas a verdade, a que se sente na pele, é que acaba. Vira pó, mais fino que bicabornato.

Raramente o amor é derrubado por um tiro só, mais fácil que seja por uma saraivada de tirombaços que demoramos a notar, tamanho o costume de estar ao lado da pessoa, tamanha a necessidade de manter as coisas como estão. Nos acostumamos a tudo - cheiros, hábitos, barulhos, gírias -, ignoramos óbvios sinais de enfermidade. Essa é a verdade, porque é difícil pacas assumir o fracasso de algo que construímos com o cuidado com que ergueríamos um castelo de cartas. Assistir à morte de um amor é como assinar embaixo em um atestado de incompetência: "Eu sou um fracassado sentimental".

Mas então puseram palitinhos em nossos olhos e fomos forçados a ver o paciente agonizando na UTI. E o vimos morrer, sem termos tempo de fazer mais nada. E ficamos ali, sofrendo como camelos, achando que nunca mais encontraremos o pires certo para nossa xícara. Ou tentamos ressuscitá-lo e, depois de um tempo (ou dois, três tempos, depende do seu grau de insistência e burrice), percebemos que não sobrou nada mesmo. Só algumas recordações, roupas no armário, escova de dentes na pia e bichinhos de pelúcia. Daí é a hora de lavar a cara, galinhar e encontrar alguém que te faça rir. Game over.

Sou perita em fins. Sou passional, daquelas que escrevem laudas e laudas em louvor do morto, que chora com a cara enfiada no travesseiro, fica deprimida, se humilha se for preciso. Curto a fossa até o fim, pra nunca mais ter de voltar ao assunto. Pelo menos naquele assunto. Não tenho o menor problema em admitir que sofro, e morro de pena dos que passam a vida fingindo não se afetar com nada, nem com a visão dela indo embora. Sabe o que te difere daquele chimpanzé do zoológico? A capacidade de pedir para ela ficar. Ou de mandá-la para o inferno.

Então está na hora de pararmos com essa babaquice de que homem não sofre, não fica deprê e não se comove com recordações. Você nunca sentiu nenhuma dessas coisas? Então acho que você é um chimpanzé. E nem sabe.

Mas, se você é homem digno do substantivo, tenho certeza de que já gastou pelo menos um pouco da sua cota de paspalhice emocional, já ouviu tiração de sarro dos amigos quando estava cabisbaixo por causa da Ermenegilda. Ficou feliz, como um cachorro que ganha osso, quando ela te ligou jurando arrependimento. Quis perfurá-la com espetos de churrasco ao descobrir que a desgraçada saía com o palhaço do seu amigo de faculdade. Ou mandou flores tentando reaver algo que já não te pertencia mais. Parabéns, você viveu, e está aí, pronto para me dar razão numa coisa: pé na bunda dói pra burro - na testa (algumas vezes), na carne (a maioria) e na alma (quando foi muito especial) -, mas sara. Sempre.


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(ailin a.)

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