sexta-feira, 24 de outubro de 2008

Mulher da Vida.

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Na próxima vida ela queria voltar puta.
Estava decidida.
Já tinha pensado em voltar monja tibetana, patinadora do gelo, chihuahua de madame, primeira dama americana, pensou até em pedir para voltar como neta de si mesma. Mas nenhuma das possibilidades lhe parecia tão agradável quanto à de puta.
“Puta, putona mesmo, bem biscatão”, repetia, feito um mantra.
Não a importava muito que nas sessões de terapia de vidas passadas lhe dissessem que ela já havia sido uma cortesã no final do século XIX e que, para evoluir, não poderia retroceder nesse processo espiritual supostamente ascendente. Mas para ela, de que adiantava ter sido puta no passado? Queria ser puta é no futuro! E só voltaria para cá se fosse assim, bem putanga mesmo.
Não serviria de nada voltar como enfermeira, agrônoma, costureira, operadora de caixa, atriz ou homem - ela refutaria tudo com o vigor de uma pré-cocote: “Puta, puta, puta! E nada mais! Senão, não volto! E pronto, acabou”.
Queria reencarnar como uma puta francesa cibernética, uma mulher da vida avant-garde. Dar, meu amigo, só profissionalmente!
Ficaria o dia todo à toa, fazendo jus ao título “mulher de vida fácil” com o qual a sociedade, tão previsível, lhe honraria.
Só lá pelas nove da noite, vestida em um baby doll transparente de seda lilás através do qual se veria sua cinta-liga dourada, é que checaria seus emails para verificar o melhor lance da noite. Em meio às 256 mensagens recebidas, ficaria em dúvida entre a proposta do banqueiro com a cara do Gerard Depardieu e a do empresário garanhão com ares de Nicholas Sarkozy.
Como seu filtro para homens seria absolutamente pragmático e profissional, fecharia negócio com aquele, com a maior casa na Côte d’Azur.
Seriam três horas de trabalho pesado, duas garrafas de Cliquot e um orgasmo fingido (coisa que ela já vinha fazendo na vida atual sem que isso tivesse lhe rendido um só centavo que fosse) e fim. Os rendimentos do mês estariam garantidos. Seria uma puta francesa, cibernética e cara. Muito cara.
Depois de um tempo, quando ela já estivesse cansada da vida de puta (sim, porque toda vida cansa, enfim) - ela teria juntado material suficiente para escrever um livro. É que ela voltaria puta, francesa, cibernética, cara e escritora, também.
Seu livro estaria cheio daqueles detalhes sórdidos, devassos e silenciosos que toda mulher não-puta acha que vai aprender ao mergulhar na vida de uma puta. Ganharia muito dinheiro às custas dessas bobalhonas que não sabem que, se quiserem agir como putas, têm que nascer putas, oras. E isso ela, que era esperta, já estava providenciando com toda uma encarnação de antecedência.
Quando o livro virasse um Best Seller e ela já tivesse dado entrevistas no Jô, na Marília Gabi Gabriela, no Serginho Groissman, no Letterman e na Oprah, ela venderia os direitos para um produtor de Hollywood. Ela seria consultada até para a escolha do casting. Siena Miller faria o seu papel e Russel Crowe o milionário que se apaixonaria por ela.
O casamento, aliás, seria o capítulo final do livro. E naturalmente a última cena do filme. Mas não a última cena de sua vida, que ainda iria longe depois do divórcio, que lhe renderia 50% de todo o patrimônio do milionário, mais do que suficiente para que comprasse a casa na Côte d’Azur de um antigo cliente.
Na próxima vida ela queria voltar puta, ah, como queria. E pensava nisso enquanto tomava chuva a caminho do ponto de ônibus, depois de ralar por catorze horas sem intervalo e tomar duas enrabadas (sem Cliquot) do seu chefe insensível, carrancudo e mal ajambrado.
Queria voltar puta, sim.
E, de preferência, cafetina de si mesma.

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(Cléo A.)

2 comentários:

Little Demon disse...

somos todos putas no final, putas do sistema, aí é que tá o problema, posso ser puta do sistema mas não quero mais enricar cafetinas alheias, quero ser minha cafetina, por assim dizer... negócio próprio...

=*

boa noite

Savoy disse...

nessas condições, acho que qualquer mulher iria querer, mas enfim. hehe ^^

gostei do texto. sei lá, gostei da sua maneira de narrar as coisas.